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Professor atribui incêndio na Cinemateca Brasileira ao abandono da cultura no país

Ao ministrar a Aula Inaugural do Departamento de Comunicação da PUC-Rio, no dia 13 de setembro, o professor Eduardo Morettin, da Universidade de São Paulo (USP), apresentou um histórico dos esforços de preservação dos acervos culturais no país, em especial do cinema. O recente incêndio na Cinemateca Brasileira, em São Paulo, mereceu destaque na palestra, que teve como tema “A importância da Memória: Cinema, Arquivos e História”. Ao fazer um histórico da instituição desde sua criação, Morettin lembrou recentes investimentos feitos para sua conservação em um esforço que, segundo ele, “não resistiu ao descaso e abandono da cultura” do atual governo. Hoje, a Cinemateca está vinculada à Secretaria Especial de Cultura.

Na palestra, o professor Eduardo Morettin apresentou um histórico das iniciativas de construção no mundo de acervos dos filmes desde os primeiros anos de existência do cinema, nos últimos anos do século 19. Esse processo, segundo ele, se intensificou no período entre as duas grandes guerras, no século passado. No Brasil, o marco foi a criação da Cinemateca Brasileira, em 1940, que teve como origem o Clube de Cinema de São Paulo, fundado por estudantes do Curso de Filosofia da Universidade de São Paulo. Entre eles o futuro historiador e crítico de cinema Paulo Emilio Salles Gomes.

Ao discorrer sobre a história da Cinemateca Brasileira, Eduardo Morettin enfatizou a trajetória da instituição foi marcada por “dificuldades e sucessivas crises, típicas de um país pouco afeito ao investimento maciço na preservação de sua história”. De acordo com o professor, esse desinteresse impediu a constituição de um acervo maior e mais representativo de tudo o que foi produzido até hoje. Ele lamenta que tenham sobrevivido apenas cerca de 7% dos filmes produzidos até a década de 1930. Entre os motivos listados por Morettin estão o atraso no processo de construção do acervo e a ausência de uma indústria do cinema, o que “diminuiu o interesse pela guarda dos filmes”. Esses fatores contribuíram para o fim importantes acervos, alguns deles no Rio de Janeiro.

No caso da Cinemateca Brasileira, Eduardo Morettin recordou que antes do evento deste ano, a instituição já havia sofrido quatro incêndios, nos anos de 1957, 1969, 1982 e 2016, este último quando a instituição já estava vinculada ao Estado. O professor lembrou que na última década a Cinemateca vinha recebendo investimentos importantes, mas a situação começou a se deteriorar, com denúncias de transferências indevidas de recursos para a Sociedade dos Amigos da Cinemateca, entidade responsável por sua gestão. Morettin enfatizou que houve então muitas demissões de funcionários, prejudicando os esforços de manutenção os equipamentos e acervo. No incêndio de 2016, o acervo de filmes não dispunha de nenhum funcionário trabalhando na conservação, o que resultou na destruição de 1001 títulos.

Diante dos desafios de se defender a importância da memória como aliada da cultura, o professor Eduardo Morettin trouxe o pensamento de Paulo Emilio expresso no texto que o crítico cinematográfico escreveu para a apresentação a revista Argumento, em 1973: ...”sempre haverá um papel a ser cumprido pelo intelectual que resolva sair da perplexidade e se recuse a cair no desespero”.

Memória e futuro

Após a palestra, foi aberto o debate com mediação da professora Andrea França Martins (PPGCOM PUC-Rio), que apresentou um trecho de um artigo recente de Eduardo Morettin em que ele listava a importância do acervo perdido no último incêndio da Cinemateca Brasileira. Além dos filmes, o fogo destruiu roteiros, cartazes, fotografias de cena, reportagens, correspondências, livros e pesquisas. Andrea destacou a importância da memória e dos acervos para a construção do futuro. Ao concordar com a afirmação, Eduardo Morettin apontou como problemas enfrentados anteriormente ao incêndio a pandemia e a política de ataque às instituições de cultura e memória por parte do atual governo.

O professor constata uma queda progressiva o decréscimo da produção de documentários com uso de material de arquivo em consequência da destruição e dificuldade de acesso aos acervos existentes, que não podem ser acessados por problemas técnicos e operacionais. Segundo Morettin, o problema não afeta apenas os filmes do passado, mas também a produção contemporânea, “que pode se perder para sempre”. As dificuldades atingem também a televisão. O professor lembra que todo um projeto de digitalização de novelas da extinta TV Tupi está parado por falta de tecnologia no Brasil compatível com o equipamento da época em que foram produzidas.

Também presente ao debate, a professora emérita do Departamento de História  Margarida de Souza Neves reiterou a importância da memória, ressaltando que ela é construída no presente, com vistas ao que será pesquisado no futuro. “Isso é uma forma de resistência, de ação e intervenção”, afirmou. A professora enalteceu a atualidade da frase de Paulo Emilio Salles Gomes sobre o papel do intelectual em tempos de crise. O tema também foi abordado pelo professor Marco Antonio Villela Pamplona, diretor do Núcleo de Memória da PUC-Rio. Ele lembrou o momento histórico do texto do crítico de cinema, escrito na fase mais repressiva da ditadura militar. Pamplona comparou o período com o momento atual da cultura, marcado por “ineficácia, falta de verbas e funcionários e o descaso e o abandono que nos acompanham”. O diretor do Núcleo de Memória denunciou a existência de um pacto pelo silêncio e pelo esquecimento.

O debate que encerrou a Aula Inaugural do professor Eduardo Morettin também contou com a participação dos professores Rafael Rusak e Patricia Machado, do Departamento de Comunicação.

A íntegra da palestra de Eduardo Morettin está no canal do youtube do Departamento de Comunicação.

A aula Inaugural do Departamento de Comunicação mereceu referência em artigo da edição virtual da revista Veja Rio.

 


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