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Muniz Sodré relaciona fake news ao ‘enfraquecimento da dicção da verdade’

Ao fazer a apresentação do palestrante da Aula Inaugural do Departamento de Comunicação da PUC-Rio, a diretora do Departamento, Tatiana Siciliano, resumiu com uma frase a importância do convidado: “Para falar em Comunicação, a gente fala em Muniz Sodré”. Na palestra, que marcou o início das comemorações dos 70 anos do Departamento, o jornalista, sociólogo e professor emérito da UFRJ proferiu sua aula sobre o tema “Comunicação, fala e verdade”. A íntegra da palestra, que teve mediação de Everardo Rocha, professor titular do Departamento de Comunicação, está disponível no canal do Departamento no Youtube

Já no início da palestra, Muniz Sodré discorreu sobre a grave questão que afeta a Comunicação em nossos dias, o “enfraquecimento da dicção da verdade” provocado, segundo ele, por uma mistura de desinformação, fake news, e o que se vem se chamando de pós-verdade. Mesmo reconhecendo que as velhas estratégias de desinformação sempre foram usadas, o professor enfatizou que elas vêm dando lugar a algo que não é mais o simples desinformar que, em sua avaliação quer dizer informar erradamente, ou seja, mentir. “O que se pratica hoje é tirar a possibilidade de pensar criticamente, com discernimento. Isso se faz aniquilando a ideia de verdade”, afirmou.

Nesse contexto, Muniz Sodré acredita que, hoje, vivemos a dificuldade ou impossibilidade de saber o que realmente está acontecendo “não só na esfera global, mas principalmente no nosso entorno imediato. Isso significa que nós podemos estar acreditando em ficções” avalia. Ao discorrer sobre o que se convencionou chamar de fake news, o palestrante contestou a classificação relatando que costuma traduzir esse conteúdo como boato e não notícia falsa, por achar que o termo é uma contradição. Ele justifica sua visão com o fato de que do ponto de vista do jornalista, quando se trata de uma notícia, não pode ser falsa: “Foi apurada, foi checada, tem uma responsabilidade social por trás, então não é falsa”, ponderou Muniz Sodré.

Na sequência, o palestrante aponta uma consequência do uso das fake news: “o falso, nos discursos oficiais, induz órgãos públicos e nichos do povo a ações perversas”. Ele acrescenta que o problema não se limita a disseminar inverdades, mas sinaliza para um fenômeno que é inquietante, “de um acolhimento coletivo deliberado e consciente a mentiras”. Para Muniz Sodré isso resulta na adesão incondicional e emocional a uma voz.” Em sua opinião, isso ocorre, inclusive, nos “níveis cultos da falsa consciência esclarecida”, onde se sabe o que acontece mas se justifica por “cinismo intelectual, atos e votos”. 

Para aderir a uma voz, de acordo com a análise de Muniz Sodré, o indivíduo não precisa realmente acreditar no discurso, desde que haja o que ele classifica como “força performativa”. O professor alerta que é preciso fazer uma distinção entre o que é o discurso constatativo e performativo. Ele cita como exemplo de constatativo o discurso que afirma que a Terra é redonda, algo que pode ser provado, constatado. Já o discurso performativo produz seus efeitos quando a pessoa simplesmente confia na autoridade que diz alguma coisa. “O indivíduo não precisa acreditar no discurso pra aderir, desde que esse discurso tenha força performativa”, afirma.

Ao analisar a influência da mídia sobre a propagação dessas mensagens, Muniz Sodré afirma que o protagonismo hoje é das redes sociais – cuja velocidade as torna mais eficientes em termos políticos. “A televisão foi o grande educador público no século passado, papel ocupado hoje pelas redes”, destacou o professor. Quanto à importância da verdade, Muniz argumenta que “ela não é uma coisa externa, a ser alcançada por meio lógicos e técnicos”. Nesse sentido, ele lembra que as agências de checagem são muito úteis do ponto de vista jornalístico, o que, no entanto, não as tornam instrumentos de produção da verdade. “A verdade é a própria energia interna, a energia fundadora, é a própria condição de possibilidade da interação humana”, afirma o palestrante, para quem “não é possível mentir o tempo todo, até quando queremos mentir”.

Muniz Sodré considera o trabalho da Comunicação extremamente importante e afirma que a luta hoje é comunicacional. “Há neste momento no mundo autocracias que são informacionais, como a Rússia, caracterizando um outro tipo de ditadura. Uma autocracia nesse nível está tentando se construir no Brasil, mas não está se conseguindo isso aqui”.

Após a palestra, o professor Muniz Sodré respondeu a algumas perguntas. Entre elas, se estaríamos nos transformando em uma sociedade algoritma. Ao concordar com a proposição, ele disse não ter dúvidas de que a realidade hoje, que já vinha sendo matematicamente construída, chegou ao algoritmo. “O real industrial e tecnológico, hoje é o algoritmo. Isso significa que a questão da verdade é tecnológica e se desloca do plano humano para a tecnologia”. Como exemplo, Muniz citou a guerra na Ucrânia, onde segundo ele, as armas russas são muito melhores do que a capacidade dos militares enviados por Moscou.


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