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"O caso Proconsult", do professor Mauro Silveira, é premiado no Concurso Internacional de Literatura da UBE

Há dois anos Mauro Silveira recorreu à experiência de quase 40 anos de jornalismo combinada ao aprendizado acadêmico que resultou em 176 páginas sobre a manobra para adulterar o resultado das eleições ao governo do Rio em 1982. Símbolo das pedras no caminho da redemocratização, o episódio andava a caminho do esquecimento até Mauro converter sua pesquisa de mestrado no recém-premiado “O Caso Proconsult - A História da Tentativa de Fraude que Caiu no Esquecimento" (Autografia).

O livro faturou o Concurso Internacional de Literatura da União Brasileira dos Escritores/RJ (UBE), na categoria Ensaio. Um reconhecimento ao mergulho de um ano e meio em jornais da época e dez entrevistas com jornalistas e políticos. O prêmio reconhece o mérito desse garimpo: iluminar o golpe ensaiado numa democracia ainda sonolenta da hibernação e o papel da imprensa para evitá-lo.

“Soube do prêmio por uma mensagem no WhatsApp do amigo que inscrevera o livro no concurso. Uma alegre surpresa”, conta Mauro, também professor de Comunicação da PUC-Rio e da Facha. “Fiquei contente porque o prêmio reconhece a necessidade de livrarmos do esquecimento fatos importantes da nossa história. Esses fatos espelham o que vivemos hoje”, completa o jornalista, a barba escaldada por décadas de cobertura política em redações como as do Jornal do Brasil, do Globo e das rádios JB, CBN e Band News.

Mauro relembra, em conversa por telefone, bastidores da produção. Também explica por que jornalismo, investigação científica e tecnologia digital formam uma “combinação desejável não só para resgatar, mas para formar memórias essenciais ao constante amadurecimento democrático”.     

- O que o prêmio representa para o livro e para a sua carreira de jornalista, escritor e pesquisador?

- Foi uma alegre surpresa. O (jornalista e professor) Ivan Cavalcanti Proença, que tinha histórias comuns com personagens do livro, como Leonel Brizola (vitorioso naquela eleição), o inscreveu no concurso da União Brasileira de Escritores. Eu via um filme em casa, quando chegou uma mensagem do Ivan no WhatsApp me dando os parabéns. Passado o susto, fiquei muito contente. O prêmio reconhece os esforços em tirar do esquecimento fatos relevantes da história política brasileira, que contextualizam as dificuldades da reabertura democrática em 1982 e servem de espelho para o que vivemos hoje...

- Embora marcante e simbólica, essa tentativa de fraude eleitoral andava à sombra....

- Pois é. Eu me afligia com a percepção de que o caso andava distante, ou mesmo desconhecido, até de jovens historiadores e jornalistas. Por isso decidi reconstitui-lo, resgatá-lo, a partir de uma pesquisa. Como disse o jornalista Bruno Cartier, apenas um inquérito impediria que o caso caísse no esquecimento. O inquérito não avançou, e não deu outra. A frase, aliás, está registrada no livro.

- Fora a tentativa de adulterar o resultado das urnas, atribuída à empresa contratada para contar os votos (Proconsult), o livro reacende a memória sobre a participação da imprensa no processo eleitoral. Que lições derivam deste resgate?

- A pesquisa lembra o papel decisivo da imprensa para apurar e esclarecer fatos político-eleitorais, principalmente nos períodos de fragilidade democrática. O trabalho investigativo da Rádio JB, encampado posteriormente pelo jornal, foi determinante para assegurar a precisão no resultado daquelas eleições. Isso despertou embates na própria imprensa que seguem até hoje. Isso indica a importância de aprofundarmos, desdobrarmos e enriquecermos o debate sobre a relação entre as práticas jornalísticas e a democracia.

- Relação essencial aos constantes esforços para o amadurecimento democrático...

- Sim, democracia supõe batalhas permanentes para preservá-la e aperfeiçoá-la. É um dos bens mais preciosos em qualquer sociedade. Conservá-la significa uma luta constante, mesmo em países nos quais a democracia se mostra historicamente mais estruturada, como os Estados Unidos. Neste sentido, é necessário que uma imprensa vigilante, independente e responsável combata os ataques à democracia, o que tem se repetido. O fruto imediato da agitação eleitoral de 1982 foi o início de uma campanha de mobilização por eleições diretas.

- O próprio livro constitui também um trabalho jornalístico, não é?

- Certamente. Tanto que a banca de mestrado (CPDOC/FGV-RJ) qualificou de “reportagem historiográfica” a pesquisa que originou o livro, embora ele tenha sido premiado na categoria Ensaio.

- O livro conjuga a experiência e a competência jornalísticas, cultivadas por quase quatro décadas, com o rigor da pesquisa científica amadurecida em 20 anos de atividade docente. Esta é a melhor receita para preservar nossa memória política?    

- Jornalista é um pesquisador por excelência. Quando se soma o rigor metodológico da Academia, a investigação se torna ainda mais rica.

- Você mergulhou profundamente em jornais da época e entrevistas com políticos e jornalistas para reconstituir o Caso Proconsult. Como foi esse garimpo?

- Fazia leituras diárias de edições do Globo e do Jornal do Brasil em 1981 e 1982, atrás de conteúdos relacionados àquela eleição. Esse garimpo se estendeu desde as articulações políticas pré-campanha até a contagem dos votos e a tentativa de fraude, envolvendo uma tensão imensa no acompanhamento da apuração. Só a Rádio JB não se baseava na contagem oficial, o que depois foi seguido pelo jornal. Era travada ali uma batalha pela verdade. A equipe da rádio optou pela simplicidade: apurou apenas votos válidos, concentrados na eleição majoritária, e assim reduziu o risco de erro. É importante lembrar que, dos estados brasileiros, só o Rio optou por uma empresa recém-criada. A grande maioria dos estados recorreu ao Serpro, empresa pública de processamento de dados, na contagem dos votos.

- Por falar em processamento de dados, em que aspectos a tecnologia digital se mostra uma aliada ao esclarecimento e à preservação da memória?

- A tecnologia digital facilita, por exemplo, a conservação e o acesso de acervos de periódicos.  Antigamente, para fazer uma pesquisa como a do livro, era necessário morar na Biblioteca Nacional. Um trabalho quase arqueológico. Graças aos recursos digitais, fiz a minha apuração em um ano e meio. Trabalhava com dois computadores: um para pesquisar, o outro para escrever. Isso ilustra o potencial tecnológico às investigações científica e jornalística. Uma ferramenta potente também a historiadores e cientistas políticos, nos esforços conjuntos para a reconstrução da memória. 

- O livro, o prêmio, as novas tecnologias, tudo isso o lança a novos projetos? O que vem por aí?

- Eu me sinto estimulado a desenvolver mais investigações sobre a relação da imprensa com momentos marcantes e polêmicos da história política brasileira. Tenho vontade de pesquisar, por exemplo, os ataques integralistas ao governo Vargas e outros episódios que lembram a importância história e política do Rio aos rumos nacionais.

 


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